As estações do Central Park

Certa vez, alguém me disse que o Japão é um país que merece ser visitado nas quatro estações do ano. Isto porque a paisagem muda radicalmente a cada estação – portanto, há um “país novo” a se conhecer. Com o Central Park, em Nova York (EUA), não é diferente. Naturalmente, isto vale para toda a cidade, praticamente para todo o país (salvo algumas exceções, como a Flórida, sempre ensolarada). Acontece que, no caso de NY, o recurso à metonímia é mais do que válido. Uma figura de linguagem turística.
O Central Park é o coração (e o pulmão, dizem muitos) da ilha de Manhattan, por sua vez o coração da cidade. É um dos ícones nova-iorquinos, um símbolo da metrópole, um dos seus principais cartões-postais. Vê-lo mudar a cada estação - tal como o Japão - é mais do que apreciar as variações de uma paisagem; é vivenciar um verdadeiro espetáculo da natureza.
Obviamente, para a grande maioria das pessoas essa experiência sensorial só pode ser vivida bem de perto, ali dentro, em tempos e espaços exatos, tal como se eles – o tempo e o espaço – parassem por um instante. Ainda que se vá até lá em cada uma das estações e se note as mudanças, não é possível visualizar o processo ocorrendo (salvo a queda de uma folha aqui ou o florescimento de outra acolá - a não ser, é claro, que se fique ali parado por um ano, dia e noite).
Pois foi basicamente o que fez o cineasta Jamie Scott. Ele passou seis meses indo até o Central Park duas vezes por semana, segundo informa o blog de Pedro Andrade, para captar com sua lente a nuance das mudanças de estação. Algo mágico, divino, a natureza se transformando – algo que a ampla maioria das pessoas só consegue ver em tempos e espaços exatos.
Filmar um espetáculo é meio caminho para se chegar a outro espetáculo. Foi o que Scott conseguiu:


Ainda não tive a oportunidade de conhecer as quatro estações do Central Park. Estive lá no início da primavera e no início do outono. Quando o verão se despede e o rigor do inverno está ainda um tanto distante, o parque mantém os contornos esverdeados, em diversas tonalidades, iluminados pelos raios amarelados do sol. Como no ápice do calor, tudo parece mais vivo. E o parque faz jus à alcunha de “mar verde” em meio ao concreto dos arranha-céus.
Na paisagem agora reluzente, famílias se fazem presentes em brincadeiras de pais e filhos, em piqueniques saborosos e passeios agradáveis; casais trocam olhares apaixonados deitados no gramado enquanto os pássaros cantam a sinfonia ideal para um momento de amor. Aqui e acolá, é verdade, um e outro pinheiro exibem o esbranquiçado típico de suas folhas, tal qual um cabelo grisalho, mas apenas para anunciar que uma nova estação chegou. Logo tudo será dourado, um dourado que vai ganhando tons envelhecidos, de ferrugem e cobre... É o momento mágico do outono, que eu ainda não vi.
E quando a primavera se apresenta, árvores secas, desfolhadas, ainda protagonizam a paisagem, dividindo espaço com o verde e o colorido da nova estação que vão ganhando espaço. O verde-amarelado das folhas surge tímido, mas em quantidade suficiente para contornar o cenário, refletindo suas cores nas águas escuras do lago que leva o nome de um ícone nacional, sobrenome símbolo de poder e riqueza. Aqui e acolá, uma e outra árvore de flores arroxeadas completam a paisagem.
Infelizmente, não tenho talento (nem equipamentos) para apresentar espetáculos. Portanto, o que pude registrar – e posso, portanto, mostrar – é unicamente o espetáculo da natureza. Que fez do Central Park, criado justamente para arejar a selva de pedra nova-iorquina, um de seus principais protagonistas.










Em tempo: já que mencionei o fato do Central Park ter sido criado artificialmente, veja mais detalhes de como foi planejada a cidade em uma das belas “Crônicas de Nova York” da repórter Giuliana Morrone.

* As fotos são minhas, de Carlos Giannoni de Araujo e do amigo Cristiano Persona

Uma cidade "fria e cinza"

Uma metrópole vanguardista e ao mesmo tempo monárquica, uma contradição estimulante.
Martha Medeiros, "Um lugar na janela" (p. 17)

- Frederico, como é que é Londres?
- Fria e cinza. E eu me sentia em casa...
Diálogo do seriado “Copa Hotel” (GNT, segunda, 22h30)

Em casa. Eu me sentia em casa, como o personagem interpretado pelo ator Miguel Thiré na série brasileira. Eu, jornalista; ele, fotógrafo. Ambos jovens. Ambos cidadãos do mundo. Ambos declaradamente apaixonados por Londres. Mas a capital inglesa não é “fria e cinza”? Também. E daí? Ele se sentia em casa. Como eu.
Poucas vezes tive a sensação de pertencer a um lugar que eu sequer conhecia como tive quando pus os pés em Londres. Esta sensação veio logo nos primeiros passos. Minto – os passos iniciais entre a estação Victoria (onde as linhas verde e amarela cruzam com a linha azul claro) e o hotel, de noite, foram apressados e causaram um certo estranhamento. Este trajeto, porém, não conta – ele é parte do que chamo de burocracia das viagens (traslados, hotel, aeroporto, trem, hotel, etc).
Valeu mesmo o dia seguinte, valeram os primeiros passos no dia seguinte. Na manhã seguinte. Passos de alguém encantado, que olhava à esquerda quando devia olhar à direita (ou vice-versa); que via nas ruas o agito de uma metrópole que dita moda e tendências, uma “metrópole vanguardista”, e que se depara na esquina seguinte com tradições e construções milenares, descaradamente conservadora porque “monárquica”.
Outras grandes cidades do mundo são um monte de coisas como a capital inglesa. Nova York, por exemplo, também cria modismos, mas não tem rei nem rainha. Paris, idem – a moda está lá, sendo feita e refeita, mas a monarquia ficou guardada nos livros de história. E isto, um rei (ou rainha, ou ambos) faz toda a diferença, afinal? Naturalmente que não! Londres é também fria e cinza.
E por que um ar tão... tão... tão frio é capaz de dar a um lugar algum charme ou encanto ou valor? Não sei, mas o fato é que Deus não fez a capital inglesa descolorida à toa (em tempo, já que toquei no nome dele: “Deus salve a rainha!” (ou o rei). Descolorida? “Você por acaso colocou os pés em Notting Hill? Ou em Camden Town?”, pergunta o Grilo Falante (eu o emprestei da história veronesa por um instante). São pura aquarela – e todas as matizes que podem resultar da mistura de uma dezena de cores.

É isto! Londres é cinza para que tudo o mais ganhe cor e se destaque. Para que tudo pareça mais. É a camuflagem às avessas. A exuberância. Como os ônibus vermelhos, acentuadamente vermelhos, ficariam famosos se não houvesse um fundo cinza, na terra e no céu, para servir-lhes de abrigo? Como o Parlamento ficaria ainda mais brilhante e dourado se não houvesse uma massa cinzenta ao seu redor? Até o Tâmisa, coitado, fica meio cinza naquele cenário, ele que é todo amarronzado.
Mas... E por que é fria? Porque isto tudo combina com árvores desfolhadas típicas do inverno; com gente elegantemente vestida andando pelas ruas, clássicos ou alternativos, jovens ou velhos; com o dourado que está por todos os lados e parece chama que aquece; porque é preciso ser fria por fora para ser calorosa por dentro, nos bares, pubs, museus, restaurantes. E ainda que nada disto fosse verdade, poder-se-ia (recorri à mesóclise porque Londres merece) dizer que é fria porque é fria e ponto. É “cinza e fria”, como disse o personagem. Ou ainda “vanguardista” e “monárquica”, como afirmou a escritora.
Ops, espere pelo sol e pelo céu azul que eles também aparecerão (ora, numa cidade monárquica o astro-rei não poderia deixar de dar sua graça, Vossa Graça). E se ele, o sol, de vez em quando brilha, o céu azulado há de o acompanhar. Porque ninguém resiste a uma passada por Londres, nem que seja para tirar-lhe por alguns instantes, dias talvez, a “pecha” de ser cinza (porque fria seguirá, provavelmente, salvo raros dias de verão).
E ainda que deixe por um momento de ser cinza – e, quiçá, fria -, continuará sendo vanguardista e monárquica porque assim se fez e esta é sua sina. Porque assim estava escrito. “Fiat lux”, ordenou o Criador, “mas deixe Londres fria e cinza e vanguardista e monárquica”, deve ter completado. Estimulante. Ele, o Criador, sabia que ela, a cidade, seria estimulante. Repulsiva, porque indiferente em meio a um turbilhão de gente; acolhedora, porque única (e únicas são as pessoas).
Mesmo quando se mostra descolorida, no cinza do concreto das construções, ou no branco gelado ou num ocre pálido, ou talvez e também no negro dos famosos táxis, Londres é perfeita. Porque simplesmente combina com tudo isto. Tom sobre tom. Ou que seja furta-cor. Nada lhe tira o charme, a elegância, o poder. A capital inglesa realmente merece todos os elogios (e críticas até, porque é democrática embora monárquica, porque sabe ser soberana).
No fundo, estavam todos certos. Londres é de fato uma “metrópole vanguardista e ao mesmo tempo monárquica”, “fria e cinza”. “E eu me sentia em casa...”




* As fotos são minhas e do amigo Cristiano Persona

Para gostar de Nova York

I happen to like New York, I happen to love this town
I like the city air, I like to drink of it
The more I see New York, the more I think of it
I like the sight and the sound and even the stink of it
I happen to like New York



I like to go to Battery Park and watch the liners booming in
I often ask myself why should it be that they come so far across the sea?
I suppose it's because they all agree with me
They happen to like New York


Last Sunday afternoon I took a trip to Hackensack
But after I gave Hackensack the once over
I took the next train back
I happen to like New York

And oh, the Easter Show at the Music Hall
A perfect delight
And oh, pastrami on rye at the Carnegie Deli
There's joy in each pie



And Madison Square for a Friday night fight
Or a walk along Broadway to guest at the lights
And at Carnegie Hall where the atmosphere's right
Life at the lights, at the night




I happen to like New York, I happen to love this burg
And when I have to give the world my last farewell
And the undertaker comes to ring my funeral bell
I don't wanna go to heaven, don't wanna go to hell
I happen to like New York, I happen to like New York

(“I happen to like New York”, de Cole Porter)

As infinitas cores do Ceará

“Carpe diem quam minimum credula póstero.”
Horácio, poeta, em “Odes"

Fortaleza é tricolor – e não vai aqui nenhuma louvação ao quase centenário Fortaleza Esporte Clube, o tricolor do Ceará. Aliás, o Ceará é tricolor – e não vai aqui nenhuma gozação com o Ceará Sporting Clube, o praticamente centenário alvinegro cearense. Perdoe-me a confusão futebolística, não é de esporte que pretendo falar, mas não há descrição melhor para fazer da principal marca daquela região do que a de tricolor.
Uma areia quase branca de tão pura (ok, há algumas praias, como a de Iracema, na capital, onde predominam ciscos de conchas, mas via de regra o litoral cearense é de uma areia quase alva e não necessariamente fina – aliás, com o vento predominante, tem-se a sensação de espinhadas constantes na pele). Um mar acentuadamente esverdeado, claro no seu princípio, escuro no horizonte, brilhante sempre ao ver pousar sobre si os radiantes raios solares. E, para completar, um céu estupidamente azul.
A paisagem cearense é estonteante, quase ofensiva aos olhos. Paradisíaca seria adjetivo comum – só não se pode dizer edênica porque não se imagina ali uma macieira, embora aquele conjunto todo seja de fato uma tentação. Mas uma tentação dos deuses, de Deus, de Zeus, da natureza, seja lá no que cada um creia. Só não se pode imaginar que seria o homem capaz de tamanha perfeição.
Aliás, se tem algo que mantém o tricolor cearense é justamente a quase ausência da presença humana. Claro que numa cidade como Fortaleza e arredores, com ares de metrópole em termos demográficos, ignorar a mão do homem agindo seria negar a realidade. Contudo, ainda que barracas invadam a orla, ainda que avenidas rasguem o mangue, ainda que prédios ocupem o lugar da vegetação, estão ali a areia branca, o mar esverdeado e o céu azul. Experimente a Praia do Futuro. Três cores.



Não são sete, porém, as cores do arco-íris? Espere, pois, o sol se despedir no poente (ou, quiçá, surgir na aurora) e lá estarão elas: o amarelo que reluz tal qual ouro; o vermelho que emana sangue, força e paixão; o laranja e o violeta que parecem se fundir e surgir das duas primeiras, tudo se misturando ao verde do mar e ao azul do céu, ambos escurecendo com a noite ou clareando com o nascer do dia. Escolha um bom lugar – a Ponte dos Ingleses, na capital, é o ponto mais famoso e talvez romântico. Fique em silêncio, jogue fora preocupações, encanações, ilusões, enfim, e simplesmente entregue-se ao que a natureza proporciona sem pedir nada em troca. Um verdadeiro espetáculo no horizonte, muito além do que qualquer produção humana seria capaz.





Então, o Ceará não é apenas tricolor (como se isto não fosse suficiente por si só)? Não, o Ceará é capaz de produzir todas as cores do mundo, tal qual as areias coloridas de Morro Branco que viram arte nas mãos habilidosos de artesãos anônimos, postas em garrafinhas de vidro, onde surgem paisagens idílicas e escudos de times de futebol. Com as cores do Ceará.
E poucos lugares no mundo que possam eventualmente ter cores semelhantes são capazes de brilhar como brilham as cores no Ceará. Porque poucos lugares no mundo têm à disposição a energia e o calor do sol, irradiante da aurora ao poente, inspirando e criando. Cores e vida – por mais que, em meio às dunas, o que se veja é a ausência, um nada assombroso, um sobe-e-desce ao sabor dos ventos e do tempo. É certo que um ou outro coqueiro, ou palmeira, ou carnaúba, risque a paisagem como espectadores privilegiados de um espetáculo (sim, colocaram muitos pinheiros por lá para segurar a areia, mas isto é ação do homem e não conta).
Ver e sentir as três, sete, dezenas de cores do Ceará é um bom convite ao ócio. Ao ócio criativo. É ser naturalista por um instante, um “bon vivant” que entende a sua pequenez diante da grandeza da paisagem. E por isto mesmo sabe curtir. Ainda que seja um breve momento. Diante das cores do Ceará, qualquer momento torna-se eterno. "Carpe diem"!




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